Aproveitando a vitória no festival de Berlim, ta aí minha critica sobre o filme.


Falar de Tropa de Elite, atualmente é fácil. Fácil mesmo, tendo em vista que todo mundo já falou sobre o filme, mesmo antes dele ter sido lançado nas salas pelo Brasil à fora. Mas por que não falar sobre o filme? Bom, na verdade não gosto muito do modismo que tomou conta na época do lançamento, e pré-lançamento, do longa. As molecadas por ai brincando de polícia e ladrão com pedaços de pau que simulavam fuzis, jovens ditando diálogos completos do filme e coisas assim me irritavam um pouco. Mas sabe que é até legal ver que um filme brasileiro, mais uma vez, caiu nas graças do povão.

Tá bom. Vamos a trama, se é que você ainda não viu o filme. Capitão Nascimento (Wagner Moura) está de saco cheio da vida de policial militar do BOPE, e está em busca de um substituto. Quando ele vê nos aspirantes Neto (Caio Junqueira) e Matias (André Ramiro) qualidades que podem torná-los oficiais a altura dele. Partindo disso, o diretor José Padilha, nos joga no dia-a-dia da guerra particular que vive o Rio de Janeiro, mostrando como é o trabalho da tal Tropa de Elite, o BOPE, onde os oficiais fazem de tudo na luta diária contra a bandidagem da cidade maravilhosa. Por outro lado temos os bandidos e a preguiçosa cúpula do poder da PM com seus oficiais corruptos e até mais sujos que muitos dos bandidos de verdade mostrados ali.

Mas não é só isso que o roteiro retrata. Ele nos apresenta a uma série de questões profundas que vão surgindo junto com o desenvolvimento da trama de uma maneira tão sutil que nem notamos que estamos sendo bombardeados por discursos sociológicos explícitos.

Padilha é muito feliz em manter uma direção quase documental, sem grandes artifícios de luz ou de câmera, aparentemente. Em momentos do filme parece que ele simplesmente ligou os equipamentos e deixou os atores darem o tom à cena. Claro que tudo isso é proposital. Ele é um diretor hábil que sabe muito bem o que quer mostrar e o que não quer. Mas não só da câmera documental vive Tropa de Elite (esse tal estilo de filmar é cada vez mais comum no cinema contemporâneo, passa um ar mais intimista ao filme), um momento que guardei na memória, e que vai ficar lá por um bom tempo, é durante o treinamento de Neto. A câmera o acompanha de perto e de repente ele está no meio de uma missão do BOPE. Ali acontece uma elipse não mensurável, que é uma passagem de tempo onde não sabemos quanto tempo passou, só que ela vem de uma maneira tão natural que muita gente deve ter pensado “algum tempo depois”.

Outro destaque do filme é a atuação de Wagner Moura. Vou confessar que eu sentiria medo de estar no set dirigindo ele em algumas cenas, na verdade a atuação de Moura é tão impactante que somente ela já valeria o preço do bilhete, vale destacar também os oficiais que cuidam da oficina do batalhão onde Matias e Neto trabalham no inicio do filme, é hilariante. Mas infelizmente nem todos os atores parecem à vontade com seus personagens, mas isso também é exigir muito, Moura está alucinado e fontes internas do filme (sim eu tenho uma!!!) me revelaram que a narração em off foi para ele após seu desempenho nas filmagens.

Mas Tropa de Elite é um filme que deve ser visto com muito cuidado. Todo mundo está cansado de saber que o Rio é uma cidade violenta onde, quase diariamente, vemos cenas reais de tiroteios, assassinatos, etc nos telejornais. Tropa vêm com a idéia de, meio que sem querer, entregar uma resposta para a questão da violência, do tráfico e corrupção na cidade. “Deixa nas mãos do BOPE” como mesmo diz em certo momento o capitão Nascimento (que ganhou ares de Chuck Norris brasileiro em na internet). Seria essa a resposta para a eterna pergunta de como resolver essa situação? Tropa de Elite induz o espectador a pensar na questão como o frio Nascimento, o que fica evidente no final da exibição. “Ô 07, passa a 12 ai!”, parece até mesmo que a escopeta calibre 12 está indo para as mãos do público e ele quem decide se puxa ou não o gatilho. Claro que nessa altura do campeonato, qualquer um, pelo menos pensaria em, puxar o gatilho.

Claro que o playboy que aperta um baseado contribui de certa forma para o tráfico de drogas e claro que os salários da PM não fazem com que um policial tenha uma vida digna. Ok, todos nós sabemos disso, mas daí mostrar isso num filme de ficção? Sim, qual o problema? Qual o problema de uma obra ficcional chamar a atenção para um problema real e nem um pouco agradável de discutir? Tropa de Elite funciona tanto como obra para entreter como para botar para pensar e esse é o grande trunfo do longa de ação.




3 comentários

  1. Anônimo on 17 de fevereiro de 2008 às 14:00

    Thiago,

    Wagner Moura está mesmo ótimo, muito bom mesmo, na minha leiga opinião. Queria falar sobre duas coisas. A primeira é a crise na qual se encontra o Capitão Nascimento, desencadeada pelo nascimento de seu filho, fato que faz com que ele precise deixar de ser policial (nos termos do filme) para ser marido e pai. Só que para isso precisa encontrar um substituto (policial, como ele). A segunda é sobre Matias, que somente após a morte do amigo Neto, tornou-se efetivamente policial, no sentido pleno da palavra, como penso o uso que o filme faz desta. Antes da morte, Matias era universitário, namorado, integrante de ONG, etc. Ele era até da polícia, mas não policial. E, confesso, acho muito maneiro ver o Matias policial dando dura naquele bando de playboy da faculdade que financiam o crime e depois fazem passeatas de branco, todos contra a violência... O cúmulo da hipocrisia e da burrice. Bom, voltando, policial, em pleno sentido, parece ser inconciliável, inconjugável com as demais aspirações humanas...

    Abraços.

     
  2. Thiago Flôres on 17 de fevereiro de 2008 às 14:16

    Pedro, falando filmicamente, essa "virada" na personalidade de Matias é um recurso usado em muitas outras fitas do gênero, pro cara ser o herói (no caso aqui anti-heroi) intrépido e sem "medo" de assumir aquilo que ele realmente é, precisa acontecer alguma coisa para que ele mude seu julgamento, tendo em vista a maior bilheteria no Brasil em 2002 Homem-Aranha. Matias é mais ou menos como um Peter Parker hardcore só que Tropa de Elite termina momentos antes dele assumir o alter ego aracnídeo. Vamos ser um pouco menos fantasioso, temos Paul Kersey (Charles Bronson) em Desejo de Morte, o cara só vira um psicopata assassino depois que sua família é trucidada por um bando de punks (incluindo um Jeff Goldblum em início de carreira)
    Acredito que para ser um policial como Cp. Nascimento, o cara deve ser policia 24 horas por dia, uma pessoa assim, obsesiva, não têm vida fora daquilo. Não sei como isso se aplica na "vida real", mas acredito que deve existir algum cara como Nascimento, sem vida fora da corporação, afinal, fazer tudo o que ele faz e não ter fantasmas onde quer que ele vá é meio difícil.
    Legal você ter puxado esse assunto, tem muuuuito pano pra manga.

    Abraços

     
  3. Anônimo on 20 de fevereiro de 2008 às 15:55

    Legal a comparação com o alter ego aracnídio. Abraços