Sério mesmo que existe gente no mundo que ainda acha que os atores virtuais um dia vão sobrepujar os atores de carne e osso? Me lembro na época do lançamento de Final Fantasy em 2001. Muito foi dito sobre a extinção dos atores e do cinema convencional. Pura balela! Todo o reboliço por trás de A lenda de Beowulf, foi a tal da motion-capture e do filme não mostrar os atores em carne e osso (as vozes estão lá). Há pouco fiquei empolgado com os reviews que li por aí na rede e tudo mais, mas na verdade saí da sala essa tarde com a impressão de ter visto um filme qualquer, com algumas cenas de batalha bem legais e mais nada.

A lenda de Beowulf, o poema inglês mais antigo já datado, nos apresenta ao rei Hrothgar (Sir Anthony Hopkins) festejando em seu recém inaugurado salão. Só que a festa é encerrada de uma maneira trágica pelo demônio Grendel (Crispin Glover). Hrothgar então oferece metade das suas riquezas àquele que exterminar Grendel. É aí que entra o bravo guerreiro, Beowulf (Ray Winstone). Vindo de longe, mais pela fama do que pela grana (não é que rimou!!), Beowulf é bem sucedido e mata o tal ser. É então que a mãe do tinhoso (Angelina Jolie) aparece e amaldiçoa o guerreiro.

Tudo bem, até que a história contada assim parece legal, porém, o filme de Robert Zemeckis se vale das cenas de ação, das infinitas possibilidades de movimento de câmera e do uso da mais alta tecnologia em termos de animação.

E é verdade. Aposto que muito diretor por aí deve ter sentido uma pontinha de inveja ao ver aquele plano-seqüência que sai do salão da festa, atravessa um deserto de gelo, uma floresta e finalmente chega ao esconderijo de Grendel. Mas, estando num mundo abstrato, onde o que manda é a capacidade do diretor em imaginar as maneiras mais loucas de movimentar a câmera sem se importar com os deslocamentos e física da coisa, não é nada de mais. Não que eu esteja menosprezando o trabalho de Zemeckis, mas eu vejo isso de uma maneira rasa e sem graça. É aquele tipo de coisa: “quero ver ele fazer esse plano de verdade!”. Bom, ele já fez algo bem parecido em Contato (só para provar a competência do diretor, que eu admiro muito, afinal é graças a ele que temos De volta para o futuro).

Liberdades para colocar a câmera onde quiser a parte. É impressionante o realismo nas figuras geradas por computador. Em determinados momentos cheguei a pensar que estava vendo um filme live-action, não uma animação. Se em Expresso Polar os personagens pareciam corpos re-animados, em A lenda de Beowulf não tem nada disso. Os movimentos realistas, as nuances na pele, as texturas dos objetos e a “vida” nos olhos são de arrepiar. Pena que nem todos os personagens foram tratados de maneira tão realista assim, principalmente as mulheres, o melhor exemplo que posso dar dessa diferença é justamente a rainha Wealthow (Robin Wright Penn) e a amante de Beowulf, Ursula (Alison Lohman), até achei que as duas eram mãe e filha! Isso sem contar a tal falta de “vida” nos olhos de ambas. Vale citar também que achei a Wealthow beeeeem parecida com alguma personagem humana de Shrek!

Tirando toda a tecnologia de cima do filme o que nos sobra é uma casca oca e sem graça. Na verdade, o roteiro, escrito por Neil Gaiman e Roger Avary(amiguinho de Tarantino), também se vale da tal tecnologia, já que os diálogos, muitas vezes exagerados e repetitivos, são meros meios de ligar uma cena de ação à outra (falando nas tais cenas de ação, elas são bem fortes viu!), fora os exageros de Zemeckis em “jogar” objetos em cima do público para as salas preparadas para os efeitos em 3D do filme. Em determinados momentos, de tão repetitivos, a emoção que gerariam os efeitos se perdem.

Tá bom, e a brincadeira de esconder o “amiguinho” (o órgão reprodutor de Beowulf) na briga entre ele e Grendel? Que coisa mais sem graça, em alguma crítica por aí, eu li que mais parecia um filme do Austin Power, onde o “amiguinho” do espião era escondido por uma fruta, garrafa, etc. E não é que é verdade. A cena de Beowulf chega a ser ridícula, não só pela brincadeira “vamos esconder o bilau do cara”, mas também por: “Por que diabos Beowulf quis enfrentar a porcaria do Grendel pelado?!?!” Ele tenta justificar, dizendo que Grendel não tem armadura ou armas para se defender e ele queria estar em igualdade. Ok então por que diabos Beowulf não deixou seus soldados do lado de fora da porradaria?!?! Que tipo de igualdade é essa, quinze contra um?!?! (falando em Beowulf pelado, o cara têm fixação em tirar a roupa a todo momento).

O que eu mais gostei no filme foi mesmo a participação impactante de Crispin Glover (pai de Marty McFly em De volta para o futuro), no papel de Grendel. O uso de um inglês arcaico (incompreensível), a dor, a angústia e todo o sofrimento que o ator imprime em sua atuação, são comoventes. Eu cheguei a sentir pena de Grendel em diversos momentos do filme. Sem contar os agonizantes e estridentes gritos que o ser solta a cada segundo, o que só ajuda a ficar mais claro ainda tudo o que o atormentado demônio sente.

Ok meus queridos atores, vocês podem ficar tranqüilos. Se ainda acham que um dia essa tecnologia vai substituir vocês, podem ficar despreocupados. Se isso acontecer, vai demorar o mesmo tempo que levou desde o nascimento do poema (cujo autor é desconhecido) até essa adaptação (cerca de 11 séculos). Pelo menos essa versão de Beowulf é melhor do que aquela com o Christopher Lambert (Ai também é covardia!)

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