Comparações do tipo “Bruxa de Blair que encontra Godzilla” é a coisa mais fácil e superficial de se achar da nova produção de JJ Abrams, Cloverfield. Pode até mesmo ser a sua primeira impressão ao início da projeção, mas logo nos primeiros momentos já sabemos a que o filme veio.

Rob (Michael Sthal-David) está indo morar no Japão e tem uma festa de despedida organizada pelos seus amigos. A festa é gravada por uma câmera digital que está com o melhor amigo dele, Hud (TJ Miller, o Marmaduke da série Carpoolers). Bem no meio da festa uma explosão no meio da ilha de Manhattan transforma a despedida em corre-corre. Partindo dessa premissa, somos jogados em meio ao desespero e impotência dos personagens e ficamos ali, ao lado deles o tempo todo.

Como é uma produção de Abrams, podemos esperar diversas “piadinhas”, referências e até mesmo brincadeiras com a linguagem assumida escondidas ao longo dos poucos 85 minutos de projeção. As “piadinhas” mais óbvias são: O fato de Rob estar indo para o Japão, lar de Godzilla. O nome do operador da câmera é outra, Hud, que em muitos jogos é uma sigla: HUD (heads-up display), mais ou menos o que o personagem dos joguinhos vê.

Mesmo tendo como principal tema o monstro e a destruição de Manhattan, nada é revelado sobre a origem do mesmo, tem até um momento, lá pelo clímax, onde um dos personagens questiona a origem do ser, mas isso não importa a trama, o que importa nela é o drama humano, a impotência que todos sentem naquela situação. O que fica ainda mais evidente quando o grupo entra em contato com uma base militar, nem mesmo os milicos sabem o que está acontecendo, somente se limitando a dizer “Sei que estamos perdendo”, não seria também um discurso democrata dizendo não à guerra contra o terror?!?!

Sim, o filme pode ser visto por essa ótica mais política. Se Godzilla nasceu graças ao medo dos ataques com bombas atômicas em Iroshima e Nagazaki, por que não aqui o medo do terrorismo não seria representado pelo monstro que destrói NY? A crítica e a analogia ao medo está lá impressa em cada centímetro da película, e a emblemática cena onde Rob e seus companheiros vão para uma lojinha esperar, literalmente, a poeira baixar, nos remete às famosas imagens capturadas por cinegrafistas no dia dos atentados que derrubaram as torres do World Trade Center.

Já que o filme todo é mostrado pelo ponto de vista da câmera que está nas mãos de Hud e em alguns momentos de Rob, é inverossímil acreditarmos que Hud tenha tamanha sensibilidade em colocar em foco àquilo que ajuda a dar intensidade dramática à trama, tudo bem, isso é um exemplo da famosa liberdade poética, afinal sem isso não teríamos momentos “poéticos” como aquele em que durante o depoimento de Lily (Jéssica Lucas) desejando boa sorte à Rob, o foco da câmera vai para Marlena (Lizzy Caplan), por quem Hud é apaixonado, e isso se repete em diversos momentos do longa.

Falando da parte técnica, os efeitos do monstro e todos os outros são de tirar o fôlego. Se você está curioso em saber como é (são) o (os) Monstro (s) e acha que ele (s) vai (vão) ser uma cópia descarada de Godzilla, ou um dinossauro gigantesco, está enganado. O monstro tem vida própria e é aterrorizante, ele é elástico, ágil e perverso, não aquele dinossauro bombado no filme de Emmerich, esse aqui parece mais uma aranha+et+filhote-de-cruz-credo (no final do filme rola até um close dele). Não só dos efeitos o filme vive, toda a parte técnica empregada nele é muito bem trabalhada. A direção de fotografia de Michael Bonvillain, colaborador de JJ Abrams, é envolvente e um dos principais aspectos chamativos do filme. Vale também destacar a edição de Kevin Sitt e os profissionais do departamento de som e mixagem, já que esses dão o clima certo de medo, mostrando com o som diversos elementos que não vemos, o famoso fora de quadro que Tarantino adora.

Bom, alguns devem saber que não se trata de somente um monstro (acho que ficou claro no outro parágrafo), mas sim diversos outros monstrinhos que se soltam do grandão. Esses ai são tão ruins quanto o grandão e representam um desafio direto aos personagens que em dois ou mais momentos tem que enfrentar cara-a-cara essas pequenas ameaças.

O roteirista Drew Goddard, outro colaborador constante dos projetos de JJ, adora os McGuffins que Abrams também curte. Uma pequena aulinha, McGuffin é tudo aquilo que está na trama, mas é irrelevante a ela, um exemplo prático: a mala em Ronin (aquele filme com o de Niro e Jean Reno), ela está lá e os espiões a querem, mas o que ela é e o que representa para os lados, não interessa. Pois bem, agora me diz se JJ Abrams não curte isso?!?! Diversos McGuffins aparecem no decorrer do filme, o que é o monstro, como nascem os monstrinhos, o que acontece quando alguém é mordido por um monstrinho, etc. São aqueles segredos indecifráveis que aparecem em Lost, a telesérie que Abrams criou.

Falando em Lost, há uma brincadeira em Cloverfield também com os famosos flash-backs, marca registrada do seriado, que aos poucos mostra o passado de cada personagem. Aqui, a fita em que Hud grava os acontecimentos é a mesma que Rob usou no dia em que fez amor com sua amada Beth (Odette Yustman), cerca de um mês antes. Entre o registro do fim de NY, podemos ver o alguns momentos do que aconteceu naquele lindo dia entre o casal. Aprofundando ainda mais nesse sentido, o roteiro brinca e só ficamos sabendo que aquela foi a primeira vez dos dois juntos lá pelo terceiro ato, mais uma marca registrada do seriado da tevê que só revela a “verdade” do flash-back no fim de cada episódio.

Entrando ainda mais um pouco no território do roteiro, ele às vezes peca um pouco. Eu achava que a mocinha Beth estava morta, também com um ferimento daqueles. Mas, no entanto, minutos depois ela já está toda serelepe andando e correndo, outra coisa que fica difícil de engolir é o tamanho da bateria da câmera e também o tamanho da fita. Não vamos confundir esses tipos de erros e exageros com as coisas inexplicáveis que aparecem no meio do caminho, como já disse, isso é um artifício, inteligente, que JJ e Goddard amam.

Cloverfield é uma experiência sensorial interessante, um bom filme para se ver numa tarde chuvosa e dá um até mesmo um bom bate-papo depois da seção, afinal, o que você faria se a sua cidade fosse devastada por um monstro bizarro de mais de 50 andares de altura?!?!

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